terça-feira, 1 de maio de 2018

Crônica sobre um dia frio


Observatorium (30/04/2018)

Com o frio, os gêneros pelados não frequentam a praça e nem se alternam. Cães não passeiam mais e rejeitam seus donos. Quem manda na parceria é o animal enquanto o humano balança o rabo. A elite canina expert em malabarismos faz seus donos dar piruetas enquanto os femininos penteiam seus pelos. O frio assustou os visitantes caninos e intimidou os humanos. Pra sair de casa só com seu dono.

O frio intenso atira setas de gelo que ao acertarem as folhas alaranjadas da amendoeira (uma) transformam-nas em abanadores de galhos. As folhas que ainda insistem em ficar nos galhos são manipuladas pelo vento girando-as em torno de si mesmas. O exercício fadiga as astes que as sustentam até que se cansem e alcem voo. Até ai tudo bem, acontece que essa torsão coletiva da natureza também solta as folhas mais estressadas que pavimentam o piso de laranja ao redor.

O mesmo vento que varre as folhas pelo ar manipula pelo chão o destino delas que é a vala na guia, e assim engrossa o caldo deixando a falsa impressão de que estamos no outono. Mas aqui não é hemisfério norte. Como as alaranjadas não são comuns como lá não dispomos de equipamentos reguladores para evitar o tapete.

Um homem solitário, já cansado das labutas de cabeça baixa manipula uma vassoura e um saco no carrinho que o acompanha. Apesar da semelhança, não é Papai Noel porque ele é desprovido de pança. O homem solitário de tanto olhar para baixo não consegue avistar quem está a sua frente. À medida que o falso Papai Noel varre, as folhas caem ou voltam com o vento e as pessoas que passam pisam no monte alegrando o vento que dá gargalhadas quando elas despencam de seus galhos. O homem que não é o Papai Noel se zanga, mas nada pode fazer porque não consegue olhar para cima enquanto resmunga.

Ontem, dois garis do sexo feminino, pintados de amarelo, varreram um pedaço pequeno do perímetro da praça. Elas estavam zangadas com caras de poucos amigos tentando adivinhar quem havia se tornado seu inimigo. A medida que as folhas teimavam em não ir para onde elas deveriam rolavam na direção contrária pela calçada e a rua como se fosse uma risada. As meninas zangadas e aborrecidas com a molecagem das folhas foram embora sem terminar o serviço.

O dia frio faz da praça um deserto de gente, de animais e de qualquer outro ser vivo. O peixe que nada no aquário em frente fica entediado porque não há nada que possa distraí-lo. A ele só resta comer ração e fazer bolhas na água.

A mesma praça

OBSERVASTORIUM 250817

Depois de um longo e tenebroso inverno, o dia amanheceu colorido. O tom amarelo predominou e influenciou as outras cores, apesar do cinza assustar. O Sol resistiu o quanto pode e o céu desabrochou num belo tom de azul. Mesmo assim, todos os dias, ela encara o observador A amendoeira sofre do “Mal de Parkinson” atiçado pelo vento; nunca melhora; as suas folha despencam e cobrem todo o chão sobs sua sombra.

Casais de todas as idades, de mãos dadas, abraçados um ao outro ou as suas bengalas, se guiam pelos traçados das calçadas riscadas. É peculiar o cuidado que um tem com o outro.

Apesar do sol dourado, a brisa que acalenta a amendoeira esfria a pele descobertas dos corpos sarados e outros relaxados que desfilam. O responsável pela festa matinal é o clima.

As caixas com rodas em torno da praça permanecem inertes enquanto outras, em quantidade reduzida transitam freneticamente pelo local.

As motocicletas que raramente atravessavam a praça, agora, são mais constantes do que as caixas. Algumas se exibem como se fosse partir desse mundo irritando os transeuntes que reagem.

É assim o dia comum na vida da gente e da praça.